breaking bad: uma reflexão

(contém spoilers. se não quiser saber nenhum detalhe da série ou do personagem, pare de ler já!)

só comecei a ver a série agora, coisa de 1 mês atrás, quando acabou. a comoção com o final da série (e o fato de ter um final) me animaram — já tinha ouvido falar que era boa, mas o tema (drogas, tráfico) não me empolgou. mal sabia eu que esta série trata não de um assunto específico mas do que é ser humano (e neste caso muito mais pro lado do mal que do bem).

a série toda me irritou e incomodou profundamente, de forma progressiva, até seu final. o que pra mim é sinal que ela é excelente, e cumpre seu papel como arte. por que consumir arte se não for para se sentir movido, afinal? algumas causam enlevo, estético ou intelectual, outras causam incômodo. aprecio ambos os estímulos.

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pra mim, walter white não é a “encarnação do mal”, como já li por ali, ele é o ego na sua forma mais pura. ele concretiza a completa desconsideração por tudo o que não é ele mesmo ou do seu interesse, sem culpa nem medo. suponho que iminência da morte tenha despertado nele o “eu” que por anos e anos ficou soterrado pela mediocridade da vida que levava. e não era uma vida má, francamente, só que ele não estava vivendo de verdade, parecia em estado de torpor. rotina e simplicidade não são sinônimos de mediocridade; sobreviver sem paixão é. ele vivia no limbo, até que a morte próxima fez com que ele se lembrasse que era um ser vivo! curiosíssimo. precisamos da sombra da morte pra lembrar de viver. cada vez que alguém próximo morre, lembramos que estamos vivos.

várias coisas me incomodaram — a falta completa de limites de WW; as mentiras; a manipulação das pessoas ao seu redor (em especial jesse); o orgulho cego, levando a decisões estúpidas. nada além dele mesmo, das suas vontades, importava. ele envenenou uma criança, matou direta ou indiretamente várias pessoas, manipulou todos ao seu redor o tempo todo. e a cada episódio, conforme ele ia ficando mais ousado, mais agressivo (e mais bem sucedido), o meu ódio por ele ia escalando. o homem que passou a vida fazendo tudo o que os outros queriam foi para o extremo oposto e passou a fazer somente o que queria, custe o que custar. como se não houvesse amanhã (não havia mesmo, pra ele), como se ninguém mais importasse (e não importava mais, de fato). nem mulher grávida, nem bebê, nem filho, amigo, vizinho, criança, velho, adulto, nada. o mundo agora girava ao redor dele. atrapalhou o caminho? mata ou manda matar. quer? rouba e toma.

e as mentiras! ele mente desde o começo, quando o mundo caiu. talvez tenha mentido a vida toda, nas pequenas coisas, e só aumentou a extensão das mentiras, sempre fugindo da verdade que admite só no último episódio — “i did it for myself”. não pela família, nem os filhos. por ELE. talvez pela primeira vez na vida.

walter sempre foi um homem intelectualmente brilhante mas um fracasso para fazer as coisas acontecerem, pra demonstrar para o mundo sua capacidade. até que encontrou uma atividade que além de alimentar seu ego imenso, que passou fome por anos e anos, rendia quantidades de dinheiro inimagináveis. começou no mundo da produção de drogas com a meta de ganhar US$700k como “poupança” e acabou com US$80M, que sequer podiam ser gastos. o dinheiro tornou-se mero detalhe, o importante era provar para o mundo (pra si mesmo também) que ele era genial.

a forma que seu cunhado o tratava desde o início dá a exata dimensão da auto-estima destruída de walter, da ruína que era sua auto imagem e a imagem projetada. hank o tratava como um velho inútil, um banana. e era assim ele era, até que não havia nada mais a perder.

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achei chocante (sem moralismo ou puritanismo) a relação direta entre a sexualidade de walter e seu mergulho de cabeça na violência, bem explícito na temporada 1 e depois deixado de lado. a cada passo dado em direção ao mundo dos “fora da lei”, a cada morte causada, sua energia sexual se ampliava a ponto de ficar assustador. um homem das cavernas moderno.

a relação entre testosterona e violência é fascinante. achei muito interessante a redescoberta da masculinidade de WW no papel de provedor, tomador de decisão, “líder”, ou seja, todos os arquétipos do que é ser “homem”. sua insistência em ser provedor, e não depender de caridade é quase comovente (se não fosse tão e absurdamente movida pelo puro e simples orgulho). o desenvolvimento de WW como homem na trama é bastante intenso conforme ele se firma como heisenberg. não mais um professor sem graça de meia idade, mas um perigoso mestre do mundo das drogas, que mata-e-faz-acontecer.

mas ele erra a mão, como todo homem-brucutu, e passa o resto da história sendo rejeitado por skyler, por puro medo ou aversão.

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e tem as cores da série, que me chamaram a atenção desde o início (a mais óbvia é o roxo do universo da marie). toda uma linda história paralela, toda contada através das cores do ambiente e das roupas dos personagens.

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vários críticos ficaram incomodados (embora sem demérito à série) com a falta de fechamento de tantas histórias paralelas — e os white? e o dinheiro que ele deixou? e a descoberta do assassinato de hank? e como ficou jesse no final? eu também gostaria de saber mais sobre essas histórias, mas o episódio final, 100% focado em walter, foi perfeito, justamente por ser absolutamente centrado no protagonista e seus quereres.

ao fim e ao cabo, tudo se resumia realmente a ele. aquele sorriso na hora da morte, dentro do laboratório (que não era seu, mas não importa) denotando o processo químico tão puro e especial que o consagrou como heisenberg, “the man”, resume tudo: ele morreu como protagonista, cheio de testosterona, dono da situação, com vida e morte em suas próprias mãos. ele deu um grande e enorme “foda-se” pro câncer, que foi o gatilho para o processo todo, mas que no final não o matou.

ele saiu de uma vida de bunda mole, levado pelas circunstâncias, sempre coadjuvante e surpreendido por uma doença que terminaria subitamente sua existência medíocre para uma morte com roteiro, cheia de significado e com mensagem: “sou o cara!”.

morrer no controle é melhor que viver à deriva?

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algumas pessoas alegam que todos temos um pouco de WW em nós, por isso ele é tão fascinante. entendo e concordo, no limite. mas não me identifiquei com ele em nenhum momento — seja na nulidade pré-heisenberg, seja na versão technicolor de mastermind. ele parece jekyll & hyde, e acho que essa intensidade dos opostos é o que me incomoda e causa aversão. não gosto dos exageros, do drama. luto para que meu ego não se torne dono de mim (ha — como se tornou de WW!), para viver uma vida feliz, simples, mas com cor (diferente da vida bege de WW pré-meth-cooking).

o que esclarece meu ódio e aversão a WW, qualquer que seja a fase. ele é tudo que eu NÃO quero ser e evito.

que bom que ele morreu. que bom que a série acabou.

que bom que ela existiu, e me fez lembrar de tudo o que me move, o que quero e não quero.

e que bom que não é preciso ter câncer terminal para repensar a vida, e nem é preciso morrer para provar nada pra ninguém.

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que série foda!

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