Sobre a beleza

Acho maravilhoso reforçar nossa autoestima, já que somos massacradas desde sempre com padrões e comentários que deixam claro o quanto somos inadequadas. Sempre tem aquela irmã, prima ou mesmo a mãe pra compararem conosco e dizer coisas como “nossa, como ela é magra, e linda! E o cabelo, liso e comprido? E a pele, não tem uma marquinha!”
E tem as revistas, e a TV, e os filmes pornô, com aquele padrão boneca inflável. E mulheres maquiadas, de cabelo “feito”, photoshopadas, sem um pelo sequer que não seja na cabeça e na sobrancelha (desenhadíssima). Quantas vezes eu ouvi “mas você não vai fazer a sobrancelha?!”.
Ninguém precisa dizer “você é feia, você é gorda, seu cabelo e sua pele são horríveis” (às vezes dizem; já ouvi tudo isso e muito mais), a gente não é burra — basta olhar para o que é considerado lindo e perceber “Ops, EU NÃO SOU”.
Sim, a grande maioria de nós não é igual à moça da revista. Aí combina isso com uma sociedade que diz pra nós desde que estamos no colo da nossa mãe que nosso valor está 100% atrelado à nossa beleza. Ninguém diz para uma menina “uau, como você é forte! Como você é inteligente!”. A gente diz que ela é uma princesa, é linda, que o cabelo dela está “enoooorme”, que o vestido dela é lindo. Ninguém pergunta sobre esportes ou jogos, perguntam sobre namorados, oferecem maquiagem e roupas.
A equação fica assim:

+ pra ter valor, mulher tem que ser bonita e “bem cuidada”

+ eu não sou bonita (basta olhar no espelho e comparar com os modelos super expostos)

+ não tenho nenhuma vontade de “me cuidar” = gastar dinheiros e muito tempo tentando ficar mais próxima do modelo
= me fudi, sou um lixo.
Aí a gente que é inteligente tenta compensar né? As que são mais inteligentes que a média acabam dando um jeito, mas sempre com aquela sensação incômoda de que falta alguma coisa. E se você não é bonita, façavor de “pelo menos ser LEGAL”, né. Porque os homens ATURAM as mulheres que não são bonitas. Estamos aqui pra enfeitar o mundo, garotas, não atrapalha o plano. Se não vai ser bonita pelo menos não incomoda.
Passei a vida toda tentando compensar por não ser bonita. Eu sou muito inteligente, tipo muito mesmo, acima da média. E sou uma pessoa muito legal, do bem, otimista, produtiva. E não adianta nada, porque uma parte de mim sempre vai sentir que ser bonita é a variável mais importante da equação de ser uma mulher de sucesso nessa vida. Que se eu não for magra, não valho nada. Agora então que passei dos 40, meu valor diminui ainda mais.
Porque também tem isso: mulher tem que ser jovem. Velhas precisam ter cara (e corpo) de jovens. Ai de nós ter rugas, pelanca, cabelo branco. Homem velho é distinto, experiente. Mulher velha é bruxa.
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Eu contei tudo isso porque tou vendo várias amigas aderindo aos convites de publicar fotos suas em que se acham lindas. As fotos são todas lindas, cuidadosamente escolhidas, são as fotos em que elas se reconhecem lindas. Aceito o argumento de que se enxergar linda dá poder e força, e é uma conquista individual importante. Vocês têm todo direito de celebrar sua beleza, sua existência. Kudos.
No entanto, convido vocês minhas amigas a pensar no seguinte: por que ser / estar / fotografar-se linda é importante? Precisamos ser lindas? Queremos ser lindas?
Por que você faz tanta dieta? Por que perdeu mil kilos? Por que gasta rios de dinheiro com cabelo / depilação / maquiagem?
Por que você se acha mais bonita mais magra e maquiada, e apaga as fotos em que aparecem rugas, dobras?
Por que você pinta os cabelos brancos? Por que você se depila?
Veja, nenhuma dessas coisas está errada. Não sou contra pintar o cabelo (pinto – opa!) e nem depilar (depilo, às vezes :D) e nem nada. Mas cada ano que passa me pego percebendo que muitas coisas que eu JURAVA que eu fazia por mim, na verdade eu fazia pelo grande outro. Aquele que mora aqui dentro da minha cabeça. Ele é implacável, e eu quero colocá-lo pra fora de mim, lá de onde ele nunca devia ter saído.
Me dói um pouco ver tantas mulheres fazendo dieta, cirurgia bariátrica, incontáveis horas de exercício, maquiagens, cabelos, tantos procedimentos infindáveis e constantes, tudo pra convencer o grande outro (interno ou externo) de que elas são bonitas SIM SENHOR e têm valor.
Tenho um milhão de fotos em que me acho linda (a despeito do grande outro), mas não vou compartilhar com orgulho não, porque ser/estar bonita não é nada de que se deva orgulhar. 
Ser linda é (devia ser; será) 100% irrelevante.
Eu sou mais que minha aparência. Prefiro escrever esse texto, que me representa muito mais que minhas fotos.

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