Notei essa semana que há alguns muitos anos eu vinha admirando pessoas com um perfil muito específico: as belas (padrão social, que se vê em revista); as inteligentes / cultas; as que se comunicam bem, escrevem bem; as que viajam pra lugares que eu desejo viajar ou já viajei (ou seja, me ajudam a validar meu bom gosto); as ricas; as elegantes, chiques. As que são consideradas bem-sucedidas.
Não é fácil descrever essa lista. Fico constrangida — minha admiração é tão obviamente narcisista! Narcisista e ególatra, o que eu admirava era tudo o que eu achava que devia ser. É uma inveja disfarçada de gostar, porque afinal quem admite que tem inveja? Admitir inveja é admitir que o outro tem algo que eu não tenho é talvez nunca terei.
Não sei se é porque aos 44 do primeiro tempo (tou entrando no segundo. Espero viver uns 100 anos :D) me toquei que minhas metas não objetivas (óbvio que não tinha meta de ser linda-culta-chique) não tinham nada a ver comigo.
Eu sei de onde essas metas vieram — elas nasceram e cresceram quando entrei na faculdade e vi um mundo que não conhecia, o mundo das pessoas muito privilegiadas. Sou inteligente o suficiente pra mimetizar esse mundo, e por um tempo eu acreditei que era parte dele. Mas não sou nem linda, nem culta e nem chique, como vocês sabem 😉
Eu podia me tornar essa outra pessoa, claro. Tem dieta, plástica, consultoria de moda, conviver com as pessoas certas. É possível, sendo inteligente e ganhando dinheiro suficiente.
Tenho a inteligência, tenho o dinheiro, mas percebi que não tenho mais o gosto. Pode parecer a história da raposa e das uvas (talvez seja, afinal perdi uma parte importante do combo-privilégio: a juventude), mas tenho achado essa gente, que antes eu super admirava, um nojo.
Percebi que os belos desprezam os feios, os intelectuais desprezam os burros, os ricos desprezam os pobres. Percebi também que cada vez menos esses antônimos fazem sentido pra mim (coloquei aqui porque é assim que eles tratam — nós x eles). Aquele desejo de me sentir validada na minha inteligência, por exemplo (“olha, pessoa inteligente que eu admiro, olha como eu também sou inteligente e pertenço ao seu time!”) sumiu.
Meus amigos do ITA, e da USP, e da IBM, dos pioneiros de internet, dos homens e de qualquer outro círculo privilegiado dos quais eu tenha pertencido fazem piada dos outros, fora do círculo. Os mais burros, mais pobres, são motivo de chacota. Tenho muita vergonha de ter sido assim também. Mas eu me perdoo: eu queria pertencer.
Não quero pertencer mais a nenhum grupo. Se o grupo parecer um grupo homogêneo, tenho certeza que não quero estar nele. Desprezo panelinhas.
Aprendi a admirar e desejar o caos, o inesperado, a surpresa.
Alguém pode achar que isso é incompatível com as bolhas que criamos (ou crio) nas redes sociais — não é. Porque redes sociais são partes muito, muito pequenas de uma vida. Pelo menos é assim na minha.
A vida é caótica, rica, cheia de sujeira, burrice, loucura. De ignorância, simplicidade, o sorriso da moça que te leva pra mesa do restaurante, o rapaz que dá bom dia andando de bicicleta na rua, a conversa na fila do caixa.
Isso me interessa mais que indicação de um uau-livro-tão-descolado.
E o cozinhar, limpar, cuidar. A parte microscópica da vida, que nos ensina mais que mil leituras.
Abandonei meu amor pelo glamour. Finquei o pé no chão, com a cabeça sempre nas nuvens, e ando cada vez mais feliz.