O dilema de 10 anos, ainda sem solução 

Bom, falemos então de orgânicos (e não precisamos falar de veganismo / vegetarianismo, a questão fica auto evidente daqui a pouco).
(Não sou nutricionista, nem profissional da área. Essa é minha interpretação do que tenho lido nos últimos anos a respeito do assunto, que muito me interessa)
A pirâmide alimentar atualizada do Brasil foi muito elogiada na época que saiu, e veja que a porção recomendada de carne / ovos é UMA por dia. E quem opta por não comer animais pode buscar a equivalência em alimentos vegetais com proteína. Os alimentos com cálcio são mais difíceis de substituir, mas também é possível (brócolis, por exemplo. Mas não sei quantidade. Se fosse optar pelo vegetarianismo eu pesquisaria).
Aí na base da pirâmide estão os carboidratos (todos com vegetais como base, né?) e os vegetais in natura. A maior parte do que a gente já deve comer vem das plantas.
E as plantas, de onde vêm? Como são cultivadas, armazenadas, transportadas, vendidas? Transformadas em pão, em farinha?
Há uns 10-12 anos comecei a pesquisar sobre orgânicos, porque me dava medo a quantidade de agrotóxicos usados pra produzir vegetais. Aprendi que produto orgânico é mais que só não usar veneno, e comecei a consumir tudo que era possível usando esse critério. As coisas eram (e continuam) caríssimas, mas eu podia e posso pagar. Com os preços de mercado, pouca gente tem condições de se alimentar com tantos vegetais orgânicos — fiquei lembrando de quando era crianças, 5 pessoas na casa, comendo muitas frutas, legumes, verduras, ovos. Pra uma família de classe C simplesmente não dá. Nem B, provavelmente.
Aí comecei a ler mais sobre isso, li O Dilema do Onívoro, que me levou a vários outros textos, e comecei a mudar também minha forma de ver a produção orgânica. Estou convencida que é essencial consumir menos carne; e que mais importante que consumir orgânicos é consumir local, de quem produz.
Mas como fazer isso em cidades imensas, longe do campo, como temos aqui no Brasil (e outros países também. Vejam India, China)? Como dar de comer a tanta gente quando a produção agrícola familiar é tão mal remunerada e tão difícil? E o transporte?
Você, ali na Moóca, vai comprar vegetais de quem, perto de você? Precisa atravessar a cidade pra conseguir comprar bons produtos, talvez. E quem mora em Guaianazes? Vai gastar uma nota de ônibus (e o tempo né, que pobre tem menos ainda) pra comprar coisas que são até 100% mais caras?
“Ah mas dá pra plantar!” — dá. Eu planto, inclusive, e te digo que dá trabalho. Não é à toa que ninguém quer ser agricultor. Plantar comida não é como plantar manjericão e hortelã. Requer tempo, dedicação, cuidado, e logística.
“Ah, hortas comunitárias!” — maravilhoso, e na minha opinião um excelente caminho. Mas tenta, e observe os obstáculos: terreno; vizinhos idiotas que são contra; prefeitura que não apoia; voluntários dedicados; SENSO DE COMUNIDADE.
(Já volto aqui)
Há tecnologia e conhecimento hoje para produzir alimentos muito melhores que há 100 anos. Poderíamos viver de forma mais saudável, comer melhor. Mas nos desconectamos dos ingredientes e do cozinhar. Cozinhar (mesmo usar alimentos mais simples e limpos) hoje é ou coisa de pobre (necessidade) ou coisa de muito rico (lazer, ostentação). Alimentar-se parece que virou uma forma de demonstrar status.
Inclusive pra quem é pobre, é chique comer salsicha, presunto, bacon. Como é chique pra rico comer orgânico, “super alimento”.
Ninguém quer comprar do vizinho que planta alface, ou da vizinha que tem galinha. Ou mesmo ajudar os vizinhos a plantar, sei lá, batatas, e dividir a produção.
Bonito é comprar orgânico na feira X mega hipster. E sentir-se superior porque “não come veneno”.
(E vou só deixar aqui uma ideia — você confia mesmo no selinho orgânico das coisas que compra? Pensa bem na probabilidade de tudo que achamos que é orgânico simplesmente ser igual ao resto)
Depois de muito ler, pensar, acho que precisamos seguir mais a pirâmide (e não precisa parar de comer carne se não quiser. Mas não precisamos comer TANTA carne, em todas as refeições), e pra isso precisamos comer mais frutas, legumes, verduras, bons grãos. E que precisamos achar uma forma de obter vegetais melhores num preço POSSÍVEL PARA TODOS.
Não sei como fazer isso. Como posso pagar, esse problema é só um incômodo no fundo do cérebro, ele não me afeta. Mas devia afetar a todos nós — quando falamos sobre como obter melhores produtos, não podemos achar que todo mundo pode comprar produtos premium. Temos que tentar pensar em soluções que atendam à comunidade, aos nossos vizinhos e aos que moram longe dos nossos centros de riqueza.
Precisamos voltar a pensar em produção de alimentos como COMUNIDADE.
Eu aposto nas produções comunitárias. Quero produzir no meu espaço e dividir com meus vizinhos. Quero ver mais gente plantando em terrenos baldios.
Com que tempo, já que trabalhamos feito idiotas para viver e/ou comprar coisas, não sei. Porque cada vez que puxo esse fio, a trama da vida que vivemos fica frágil e paro, com medo de desmontar tudo.
Bom domingo.

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