sobre o olhar

(um post de 2016 ainda atual)

As duas fotos expõem diferenças, é verdade. Também é verdade que o posicionamento do fotógrafo importa na execução da foto.

 

Mas vamos, pra efeito dessa conversa, assumir que os 2 fotógrafos tinham mobilidade e escolheram seus ângulos? Que dentre as inúmeras fotos que tiraram (deve haver centenas, de cada um, da mesma partida) foram ESSAS que eles publicaram?

 

A foto da esquerda (tirada por uma mulher) mostra duas mulheres, em posições simétricas, representando extremos em relação aos costumes de vestir. Passa uma mensagem clara sobre o contraste, e não consigo observar nenhum julgamento.

 

A foto da direita, tirada por um homem, mostra a bunda exposta de uma mulher (1) no primeiro plano e ao fundo o rosto da mulher coberta, com cara de poucos amigos (2). Vamos assumir que o gesto atrás da bunda (que é parte do jogo) tenha sido uma ironia do acaso, e vejamos a foto: uma bundona com um gesto (ainda que não intencional) que remete a uma buceta versus uma mulher toda coberta de cara amarrada.

 

A primeira foto é emocionante, o contraste entre iguais é o tema; a segunda me fez pensar em rivalidade e comparação com julgamento (e não é rivalidade no jogo necessariamente; a primeira foto retrata o esporte muito melhor, inclusive).

 

Tenho muita convicção que o autor da foto da direita não pensou ativamente em nada disso quando fez a foto. Não acho que cabe criticá-lo individualmente, a questão é perceber o quanto vemos (em função do gênero também, mas não só) o mundo através de lentes GROSSAS, e não percebemos.

 

Cabe usar esse exemplo pra pensar: quais são MINHAS lentes? Ninguém vê o mundo como ele é, vemos o mundo como somos / como nos criamos. E é possível mudar, sim. Só que pra mudar precisa querer, e pra querer é preciso antes de mais nada admitir que há oportunidades pra melhorar.

 

Esse post não é uma reclamação sobre a foto da direita; é antes um convite à reflexão e uma celebração também, porque a foto da esquerda EXISTE, foi publicada e compartilhada milhares de vezes <3 Há olhares diversos, e eles começam a fazer parte do mundo. Não consigo não comemorar, apesar de.

 

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(1) Sem cabeça, como sempre. Há estudos sobre esse assunto — como desconectar partes do corpo da mulher do todo pra torná-la objeto de consumo / desejo

 

(2) “Você devia sorrir mais!”, é o que me passa pela cabeça vendo esse pedaço da foto. Ou o estereótipo de mulher-bruxa-feia-má.

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