Meodeos que coisa linda. É impossível entender João Gilberto sem apreciar a pausa, o silêncio.
Acho curioso quem teve experiências negativas com João Gilberto em shows, eu tive uma experiência sublime. Foi em 2001 — fui sozinha para o show, dirigindo meu próprio carro (o primeiro, com 29 anos), sentada numa mesa pequena bem na frente de uma casa de show que acho que nem existe mais, em São Paulo. Sinceramente não lembro de haver ninguém na minha mesa (ou eu estava tão absorta que ignorei as pessoas).
Lembro de tudo, eu que sou tão esquecida. Do tapete que ele exigia, do banquinho, do violão, dele num terno marrom. A luz, perfeita, e o silêncio absoluto.
(Foi bonito o respeito de quem ali estava, eu vibrei)
Ele tocou tudo que queria, pelo tempo combinado do show. Ele convidou as pessoas a cantarem, e explicou: “deixa eu cantar aqui do meu jeito, e depois vocês entram”.
E no final, quando o show devia ter acabado, ele perguntou o que queríamos ouvir.
Alguém gritou “Doralice” e ele disse “puxa, essa é difícil, deixa ver se consigo sem ensaiar” e então deu aquela ensaiadinha, cantando baixinho, sabe? Disse então “acho que dá, vocês vão me ajudando”.
E nessa tocou mais quase uma hora, atendendo pedidos do público, falando e fazendo piadas.
Foi mágico, inacreditável, e eu só chorava e ria ao mesmo tempo. Nem me dei ao trabalho de ficar constrangida pelo que os outros iam pensar. Foi um dos momentos mais maravilhosos da minha vida, até hoje, tantos anos depois.
João, pra mim, além de gênio absoluto, é aquele senhor educado, divertido e delicado que vi naquele palco. Não sei como cheguei em casa, juro. Lembro de me perder no caminho, de cair num buraco e ficar com medo do carro quebrar, de dirigir numa cidade silenciosa e cheia de luz.
“É assim que parece a realização de um sonho, será?”. Dormi, naquela noite, mas nem me lembro, porque foi como ter acordado.
Jamais poderei agradecer o suficiente a João Gilberto pelo seu legado, e por aquele show.