Não somos enfeite. De novo.

Quero falar — de novo… — sobre como podemos (e devemos, na minha opinião) “hackear” ou quebrar o esquema machista em que vivemos, com atitudes simples.

A mais simples e ampla delas, porém a mais difícil pelos tantos desdobramentos, é eliminar da nossa vida a necessidade de ser bonita.

Lembrando que bonita = magra, branca, jovem, tudo girando em volta do modelo de mulher-bonita-ocidental. Exemplos: Gisele Bundchen; Scarlett Johansson. Reparem que as não brancas se embranquecem e as não tão magras emagrecem. E todas passam a vida tentando parecer ter menos de 30 anos.

Voltando: sei que é difícil não cair na armadilha e seguir tentando ser valorizada pela aparência. Todas as iniciativas de “beleza real” entram no jogo, e apelam para o “toda mulher é bonita do jeito que é”. A inclusão de modelos plus size (algumas risíveis, já que as mulheres não são gordas, só não são esqueléticas) é a mesma coisa — PRECISO SER BONITA, nem que pra isso eu precise brigar pra minha beleza ser inclusa no menu.

O que eu quero é rasgar a porra do menu. Não somos pratos pra sermos servidas bonitas. Mas essa sou eu, com 47 anos e já na faixa etária que ME PERMITO não ser bonita.

(Queria botar fogo no menu, no restaurante e nos clientes, mas deixemos isso pra lá no momento :))

Voltando de novo, agora pra história que quero contar: viajei hoje com uma colega de trabalho, que é no caso mais velha que eu. Ambas ficaremos aqui nos USA por 1 semana. Fomos pro aeroporto com o mesmo motorista, e tanto ele quanto ela ficaram horrorizados com minha bagagem: uma bolsa de mão (onde carrego meu notebook, minha bolsinha de mão com documentos, uma blusa de frio, 1 Kindle e 1 livro) e uma mochila de rodinha, que nem despachei.

Minha mochila tem 3 pacotes de café, 1 pinga (de presente :D), minhas roupas da semana e ainda tem bastante espaço.

A mala da colega é mais que o triplo do tamanho da minha. Ela ficou impressionada — “mas onde você leva os seus cremes?!?!”

Antes de pensar que pelo tamanho da mala ela usa os cremes na banheira, respondi que tenho 1 hidratante pro rosto e 1 sabonete de rosto. Só. Escova de dentes, fio dental, pasta, lixa, essas coisas básicas de necessaire. Uns colares, anéis, roupas pra todos os dias da semana (1 muda por dia), e 1 sapatilha mais a bota que estava vestindo.

Por que qualquer pessoa precisa de mais que isso? Ainda trouxe 1 blusa a mais, pra caso de acidente. Xampu, condicionador, sabonete, e até hidratante, tem no hotel. Pra que levar?

Não tem motivo pra se preocupar tanto com roupa e “coisas pra ficar bonita” além de insegurança. A necessidade de parecer arrumada e bonita e hidratada e sei lá o que mais acaba com a nossa vida. Viajar com pouca coisa é delicioso, tanto pra arrumar a mala (gastei 10min) quanto pra viagem em si. Nada de preocupação com roupa, tenho uma por dia. E qual o problema de ter 2 sapatos só? Ou repetir uma calça (já conto com isso).

Quanto gastamos — de tempo e dinheiro — com tanta roupa, sapato, creme, xampu, maquiagem, perfume, acessórios, tudo pra ficar BONITAS?

“Ain eu faço isso por mim mesma e não pelos outros!” <==== alerta de terapia pra entender como funciona o sistema patriarcal e como você é convencida de que é você que está escolhendo e não que está sendo induzida desde o dia 1 da sua existência.

(E se tiver dúvida, converse com seus amigos homens sobre o quanto eles dedicam da própria vida para o propósito de serem lindos e jovens!)

Convido vocês a romper esse padrão e começar a dar um FODACE pra essas coisas. Gaste menos dinheiro com isso; gaste menos tempo com isso; gaste menos neurônio com isso. Realoque tudo que economizou pra ser feliz.

Um beijo bem feminista pra vocês!

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UPDATE, pois fui muito bem lembrada que tem uma pegadinha nesse assunto: quando a gente não atende às expectativas da sociedade, dói no bolso também. Quantas de nós precisam se curvar pra poder viver?

As negras, que precisam “embranquecer” pra serem contratadas, as gordas que precisam no mínimo se arrumar muito mais pra parecer aceitáveis, e as velhas que precisam fazer das tripas coração pra parecerem mais jovens.

Pra mim, que posso escolher onde trabalhar (apesar da idade já ser um problema) é mais fácil romper com o patrão. E quem ainda é julgada pela aparência pra poder ser empregada?

É foda. Às vezes penso em nós mulheres como palhaças, ou atrizes, que precisam se montar todo dia, todo espetáculo, pra ganhar a vida. Que nossa vida real se resume a momentos pequenos escondidas na coxia.

Como “hackear” esse sistema? ESTUDANDO, e muito. E ainda assim, vai rolar o momento montagem às vezes. E sei muito bem que estudar não é pra todas nós, por mais que o desejo exista, já que somos criadas pra parir, servir, limpar e cozinhar. Sair desse papel já é uma vitória.

Mais um motivo pra que essas poucas de nós que PODEM romper o padrão o façam. Pra que mesmo pouco a pouco a sociedade perceba que não precisamos de montagem constante pra ter valor.

Pras tantas de nós que precisam se montar pra sobreviver, meu abraço e apoio. Vou continuar fazendo tudo que posso pra nos libertar dessa prisão.

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