felizmente não vi ninguém do meu círculos reclamando de processos seletivos exclusivos para pessoas negras (parabéns pra bolha!), embora tenha visto comentários de portal a respeito.
tenho visto uma piada (bem boa aliás :)) sobre fazer o processo seletivo normalmente, e na hora de escolher aplicar o critério (só negros) e mandar resposta aos brancos dizendo “você não é o perfil da vaga”.
a piada é boa, mas quero reforçar o quanto é fundamental ter processos seletivos exclusivos ou pelo menos mais direcionados. desde 2013 a empresa onde trabalho tem feito ações afirmativas pra aumentar a diversidade, e se o processo não for modificado, a mudança vai demorar séculos.
sério, não é força de expressão: graças à sociedade desigual em que vivemos, mulheres, negros, LGBT+, pessoas com deficiência não só são preteridas nos processos seletivos graças a vieses conscientes e inconscientes mas também sequer arriscam concorrer a certas vagas em certas empresas porque pensam (sabem, né) que “não são o perfil procurado”.
vou dar um exemplo meu, anedótico, mas que se repete muito mais do que vocês podem pensar.
fiz vários processos seletivos de estágio no decorrer de 10 anos, e 2 histórias me chamaram a atenção:
a primeira é boa — num dos processos tive duas mulheres negras concorrendo pras vagas (acabei contratando as 2, ambas excelentes), mas vocês não têm ideia da dificuldade que tive para conseguir recrutar essas duas — demorei MUITO, e acionei toda minha rede de amigos.
na entrevista de uma delas, o primeiro comentário que ela fez quando avisamos que a parte em inglês da entrevista ia começar foi que já se desculpava por seu inglês não ser tão bom. a entrevista começou e ela falava inglês melhor do que 90% dos gerentes com os quais eu tinha contato. ela era (ainda é <3) excelente, inteligente, articulada, um baita talento. dei o feedback pra ela, depois: não se desculpe, seu inglês é excelente e você é excelente!
a entrevista dela me chamou a atenção porque ela é uma ESTRELA. postura perfeita, articulada, inteligente, lógica, pé no chão, brilho no olho. e ainda assim, insegura.
a segunda história é uma mistura de engraçada com irritante — o candidato era um rapaz branco, e rico. e eu sei que ele é rico porque fez questão de me avisar logo no começo da entrevista que o inglês dele era excelente (não era, era OK) porque ele ia todo ano com a família para a Disney, e ele sempre arrasava no inglês. se vocês estão achando que estou exagerando, aguardem, que piora. quando perguntei a ele o que ele pensava que poderia estar fazendo na empresa em 5 anos (lembrem: estágio. ele sequer tinha se formado) ele me disse que seria gerente e estaria morando nos USA. ok, achei legal ele ser ambicioso, e perguntei o que ele pretendia fazer pra chegar numa posição dessas em 5 anos. a resposta: “ah, eu vou fazer o que eu já faço — eu sou muito bom em tudo que eu faço!”.
eu não tou brincando, nem exagerando. a entrevista toda com ele foi pautada por uma postura completamente displicente, num tom de “sorte sua eu estar aqui, assim você pode ter o PRIVILÉGIO de me contratar!”.
quando eu falei pra ela (a candidata ali de cima) que eu queria muito contratá-la e só precisava esperar o final do processo, mas estava muito interessada, ela ficou visivelmente feliz. o rapaz da história acima, quando avisei que entraria em contato no final do processo para dar a devolutiva, me disse (sério) — “ah, tenho certeza que serei eu, sou o melhor candidato!”.
kudos pra ele pela auto-confiança e auto-estima tão alta, sentir-se assim tão confortável numa entrevista é um privilégio que nem todos nós podemos ter e sabemos muito bem disso. por isso a 1a candidata estava insegura e se desculpando; por isso é tão difícil conseguir candidatos de grupos diversos para entrevistar — eles e elas já sabem as barreiras que vão enfrentar, e desistem antes, pra se pouparem do incômodo, do stress, e muitas vezes da humilhação mesmo. quem não ouviu falar de uma experiência de entrevista ou dinâmica de grupo (O HORROR) péssima?
nem vou comentar sobre as perguntas absurdas que são feitas pra mulheres em entrevistas que sequer são cogitadas quando entrevistam homens (“com quem ficam seus filhos quando você precisa viajar?”).
processos seletivos direcionados são úteis para educar as pessoas de dentro e de fora da empresa, e também para mostrar aos candidatos e candidatas que eles são bem-vindos e desejados. que mais empresas façam isso!