Pra você, amiga biscoiteira

Escrevo esse post não pra que vocês, que são várias que estão por aqui, se sintam atacadas; escrevo porque tenho esperança de iluminar um pouco esse canto escuro da influência negativa que temos umas sobre as outras como mulheres.

Caso você se sinta pessoalmente atacada, se esse texto incomodar você, convido a pensar com ainda mais cuidado e fazer esse exercício: como a minha relação com minha aparência afeta minha mãe velha, minha irmã feia, minha filha / prima / amiga gorda.

Ainda menina percebi que odiava revistas “femininas”. Não leio, não compro, evito até folhear. Cada pedaço de uma revista deste tipo é feito pra endereçar um problema — somos todas feias, gordas, nosso cabelo é péssimo, nossa barriga (ou bunda, ou outra parte do corpo) não é boa o suficiente, nossa pele tá ruim, e ah, a propósito, você precisa aprender TRUQUES (feito animal de circo) pra satisfazer seu parceiro. Aliás, isso é tudo a respeito deles — temos que ser perfeitas, senão não arranjamos (ou mantemos) parceiros.

As capas? Sempre mulheres perfeitas. Vamos deixar pra lá o fato de que elas são retocadas digitalmente e, fora isso, dedicam todo seu tempo à imagem, afinal é disso que elas vivem. Diferente de você, que está trabalhando na maior parte do tempo em algo que não é parecer perfeita.

A mesma coisa se aplica pras mulheres na TV, nos filmes, nos livros, nos outdoors — todas perfeitas dentro do padrão branca – magra – jovem. Bem diferentes da enorme maioria de nós.

Vou dar uma pausa, porque a parcela de vocês que precisa ler esse texto vai concordar veementemente que esse modelo de revista feminina é mesmo um horror, nossa! Porque também essa parcela de repente é feminista e concorda que não precisamos ser perfeitas e tals. Sim, porém mais ou menos.

Se fosse só a mídia nos sufocando desde que nascemos, nos fazendo sentir inadequadas, tava mais fácil. O problema é que somos cercadas de mulheres reforçando essa mesma mensagem todo dia, e agora elas ainda vêm travestidas de positividade e reforço de auto estima.

Vou dar exemplos a seguir, e peço que tenham a paciência de perceber que a carapuça vai servir mas quem dera fosse só você, amiga querida. Esse texto seria um esforço muito grande pra dar indireta pra uma ou duas, então acredita em mim: ele se aplica pra você, mas infelizmente você não é a única. Você é parte de um grupo enorme, e esse é o problema.

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Quando você celebra que foi elogiada por parecer mais jovem, você reafirma que ser jovem tem mais valor e é melhor que ser mais velha. Você é o equivalente ambulante da chamada na capa da revista que nos convida a colocar botox, fazer plástica, pra parecer eternamente com 28 anos.

Por que ser mais jovem é melhor e tem mais valor? Por que isso só é verdade para mulheres? Por que você celebra ser considerada mais jovem do que é?

Talvez você não perceba, mas todas as mulheres mais velhas que amam e admiram você se sentem inadequadas porque — putz que merda — elas não parecem nem são mais jovens. Será que deviam fazer plástica? Pintar o cabelo? Usar maquiagem pra disfarçar a idade?

“Ah imagina! TODAS AS IDADES SÃO LINDAS!”

Não, não são, senão você não estaria contente de alguém achar que você é mais jovem, amiga.

E os homens, enquanto isso? Velhos, barrigudos, grisalhos, e usando muito viagra. Vivendo a vida, como devia ser.

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Quando você celebra perda de peso, vive de dieta ou se desespera porque ganhou 2kg, você reafirma que ser gorda é um horror. Eu conheci uma mulher, lindíssima, que deu à luz um par de gêmeas e logo depois da cesárea já fez uma plástica na barriga e seios, porque “deusmelivre ser gorda”.

Todo o esforço que você faz pra ser cada vez mais magra e não ganhar peso de jeito nenhum confirma que ser gorda é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher. Ser gorda é mais grave que ser feia, burra, escrota; ser magra vale qualquer sacrifico.

Não, não tem nada a ver com saúde, todas sabemos disso. Ninguém nunca questionou a saúde de mulheres muito magras, isso sequer é uma questão.

Não adianta dizer pra sua amiga gorda que ela é LINDA mas faz das tripas coração pra ser magra. Quando você, que não é gorda inclusive, fica desesperada porque ganhou 2kg, você está dizendo pra sua irmã, mãe, amiga gordas que elas não deviam estar aí tranquilamente vivendo suas vidas gordas, não — elas deviam estar desesperadas também.

De que adianta dizer pra sua filha / sobrinha que ela é linda do jeito que é se você coloca tanto esforço pra ser outra? O que você acha que ela aprende quando você se sacrifica pra ser magra e se odeia quando engorda?

E os homens, enquanto isso? Andam sem camisa parecendo uns gorilas de tetas, tomando sua cerveja e nem filtro solar passam. Vocês não têm inveja? Pois eu tenho.

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Você não precisa dizer com todas as letras que pessoas gordas e velhas não têm valor. A forma como você se comporta deixa muito claro o que você pensa, lá no fundo. Suas ações falam bem mais que suas palavras.

Ah, e as crianças absorvem tudo, viu?

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“Ah, mas isso é como eu lido comigo mesma! Não significa que eu exija isso dos outros! EU não consigo engordar 2kg que me sinto mal, não é que eu seja gordofóbica não.”

O seu exemplo é mais importante que seu discurso.

Você pode continuar fazendo discurso, continuar se convencendo que não dá menos valor a pessoas mais velhas, gordas, feias, “descuidadas” (adoro esse eufemismo), é seu direito. Esse texto é pra contar como se sentem as mulheres ao seu redor que te admiram e amam quando, a despeito do seu discurso, você gasta uma energia absurda atendendo a todas as demandas da sociedade patriarcal e faz bastante questão de divulgar aos quatro ventos o quanto é importante pra você ser bonita e jovem, à guisa de empoderamento.

Inclusive penso que ficar contente com biscoito do patriarcado está longe de ser motivo de orgulho.

“Uau, você parece tão jovem!” — (insira aqui uma foto cheia de maquiagem parecendo modelo) “Maravilhosa!” — “Como você emagreceu, está linda!”.

Ao mesmo tempo, repare: se você comemorar seus FEITOS, será taxada de esnobe. “Fui promovida!”, “Defendi minha tese de mestrado com honras!” — faz muito menos sucesso que foto da sua bunda ou cara. Triste, e real.

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É claro que cada uma de nós que se sente oprimida pelas mulheres ao redor pode ir catar coquinho ou falar disso na terapia. Inclusive recomendo e faço. Mas nossa vida como mulheres seria tão mais bonita, tão mais rica e tão mais fácil se as que estão ao nosso redor parassem de ser garotas propagandas do patriarcado.

Imagina uma vida sem se preocupar com sua pele, cabelo, tamanho da bunda, barriga, se tem ruga ou cabelo branco? Não precisa imaginar, pergunta pro seu marido, namorado, amigo. Eles sabem como é, enquanto nós nos perguntamos todo santo dia se devemos fazer dieta, plástica, pintar o cabelo, usar corretivo, ou trocar o condicionador.

Um abraço  pra todas nós que além de fintar as revistas femininas ainda temos que lidar com as amigas biscoiteiras que nos lembram todo dia o quanto estamos longe de agradar a sociedade.

O post do Instagram é pra mostrar um jeito bom de nos lembrar que existíamos, todos os tipos de mulher.

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