pratico ioga desde 2002, mas não me tornei daquelas pessoas que falam “iôga” e namastê pra todo mundo, nem pratico em casa (disciplina zero). gosto da prática física (especialmente a que faço atualmente, que é de permanência, muito alongamento e meditação) e do resultado mental de limpeza e tranquilidade. comecei por recomendação de terapia, me apaixonei e pretendo nunca parar.
meu professor atual é um amor, orienta cada aluno individualmente na prática e tem uma especial preocupação com o alinhamento entre corpo e mente. ele repete alguns bordões que parecem bobagem, mas são extremamente profundos (aliás, impressionante como coisas que parecem básicas tocam muitas vezes no cerne das questões fundamentais da vida): “só existe o aqui, e agora. somente no agora é possível ser feliz e pleno”; “você não é seu corpo, mas a consciência que percebe o corpo”; “não julgue as sensações, apenas observe, sinta, como um expectador de si mesmo”; “não lute contra os pensamentos intrusivos, deixe que eles apenas passem, não se apegue”; “não ceda aos apelos do corpo, sua mente pode controlar os impulsos de buscar novamente o conforto”. gosto em especial de uma frase que ele usa muito nos momentos “tensos” da prática (pois ficamos na mesma postura muito tempo, é bem difícil sustentar) — “não se identifique com as sensações físicas, apenas sinta, sem julgar”.
ele fala especificamente da dor muscular de permanecer na mesma posição, mas é impressionante como isso se aplica a qualquer sensação e também a emoções. a nossa necessidade de racionalizar, interpretar e enquadrar sensações e emoções é impressionante. e é por isso que escolhi escrever esse post neste blog — ensinamos os bebês/crianças a fazer isso, sem perceber, desde muito cedo.
percebi isso um dia observando o otto comer com a babá. ele estava com um pratinho de salada, comendo, e pegou uma beterraba (cozida mas geladinha), colocou na boca e falou (de bocão cheio): “gelado”. a babá imediatamente falou “ah, ele não gosta quando está gelado, tá vendo? sempre reclama!”. e eu imediatamente a corrigi — ele não reclamou, nem cuspiu, nem recusou, ele só fez uma observação sobre a temperatura do alimento. aliás, essa fase que ele está, comenta sobre tudo, especialmente os contrastes: descendo/subindo, quente/frio, embaixo/em cima, etc.
o bebê não julga os próprios sentimentos ou sensações, ele aprende a julgá-los porque nós damos nomes, limites, parâmetros e ensinamos o que é bom/mau. quem disse que comida gelada é ruim/bom? por que sorvete pode ser gelado e feijão não? a própria dor pode ser interpretada de várias formas (falei disso quando estava na 38a semana de gravidez, ainda citando a ioga), e não é em si ruim. o nosso instinto de evitar a dor é simplesmente um mecanismo de defesa, adaptação evolutiva importantíssima.
sei que é impossível evitar a categorização e a transformação de conceitos em palavras, até para que a comunicação se viabilize, mas acho essencial estar atento (especialmente durante a criação de crianças) ao julgamento excessivo ou à transferência da nossa própria identificação sentimento/emoção <> razão para a criança. procurar ouvir mais que falar e estimular o aparecimento de ideias e interpretações “limpas” ao invés de dar respostas prontas talvez seja o primeiro passo 🙂
uma das coisas mais difíceis e interessantes de tornar-se pai/mãe/tutor é se liberar (ou pelo menos tentar…) dos próprios preconceitos e julgamentos, pra proporcionar um ambiente mais propício para criar pessoinhas que pensem por si próprias, ao invés de repetir modelos familiares. na medida do possível, sabendo que a grande barreira são meus próprios limites, quero dar ao meu filho liberdade de pensamento e escolha, e influenciar o mínimo possível sua concepção sobre o mundo.